Greg Rucka e Michael Lark encerram uma das HQs mais brutais e politicamente relevantes dos últimos tempos. E o mundo real parece ter corrido para alcançá-la.
"Alguns filhos da p**, sim… vão ter que morrer."*
A frase não é gratuita. Vem de Greg Rucka, roteirista da HQ Lazarus, que agora chega ao seu capítulo final com o arco Lazarus: Fallen. E, sejamos honestos, ela não
soa só como uma fala de efeito pra promover quadrinho. Ela soa como uma
constatação amarga de quem olha pro mundo — tanto o fictício quanto o real — e
percebe que alguns sistemas simplesmente não podem ser reformados. Precisam ser
destruídos.
Criada por Greg Rucka (roteiro) e Michael Lark (arte), Lazarus estreou em junho de 2013 pela Image Comics. Desde o primeiro número, a proposta foi clara: imaginar um futuro em que o capitalismo levou tudo às últimas consequências. O resultado? Um mundo onde não existem mais nações, governos ou qualquer resquício de democracia. Só restaram 16 famílias ultrabilionárias que controlam absolutamente tudo: terra, recursos naturais, saúde, segurança e, claro, as vidas das pessoas.
É o feudalismo do século XXI, o neoliberalismo transformado em distopia total. Quem não pertence às famílias é classificado como waste — lixo. Ser humano sem valor, descartável.
Quem é Forever Carlyle?
No centro da trama está Forever Carlyle, a “Lázara” da família Carlyle. Cada família tem a sua própria versão de um Lazarus: um guerreiro geneticamente modificado, imortal, imbatível, criado pra proteger os interesses da elite. Eles são armas biológicas, guardiões, carrascos.
Forever foi criada desde criança para acreditar que sua missão na vida era servir, proteger e matar em nome de sua família. Obedecer sem questionar. Só que, diferente do que os próprios Carlyle imaginavam, Forever desenvolveu uma consciência. E, com ela, vem a dúvida: se ela é tratada como uma ferramenta, então quem ela é de verdade? E, mais importante... por que esse mundo precisa existir assim?
De distopia a realidade
O mais incômodo sobre Lazarus é que, 10 anos depois de sua estreia, ele soa muito menos como ficção científica e muito mais como um retrato fiel do presente.
Greg Rucka admite sem rodeios:
"Começamos isso como ficção, mas virou
documentário."
Ele conta que a ideia de Lazarus surgiu após a crise econômica de 2008, quando ele conversava com pessoas do mercado financeiro que, genuinamente, estavam estocando suprimentos e armas, acreditando que o colapso do sistema era iminente.
Michael Lark é ainda mais direto:
"Nada no que estamos vivendo hoje
deveria ser motivo de orgulho. Começamos a HQ antes de 2015, mas ela sempre foi
sobre o avanço do capitalismo sem controle e da oligarquia. O que vemos hoje é
só a consequência disso. Não precisava ser assim."
Rucka também se recorda de outro episódio que parece profético: em um de seus romances da série Queen & Country, ele descreveu um ataque terrorista que, semanas depois, aconteceu quase exatamente como na sua ficção. Em outro livro, Bravo (2015), ele narra uma conspiração para tomar o controle do governo dos EUA. Sete anos depois, uma invasão real ao Capitólio dos Estados Unidos aconteceu em 6 de janeiro de 2021.
O escritor não esconde a frustração:
"A gente viu os sinais. Estavam todos
lá. E, no fundo, eu me culpo também. Porque eu percebi, mas não percebi a
tempo. E, se percebi, não fiz o suficiente pra impedir."
Sobre violência, resistência e limites
Se tem uma coisa que Lazarus nunca fez foi romantizar resistência. Rucka é
honesto sobre o mundo que criou e sobre o mundo em que vivemos:
"Criamos um universo onde a única forma
de resistência que sobrou... é a violência. Tem mentes que podem ser mudadas,
sim. Mas alguns filhos da p**... esses vão ter que morrer."*
Não é um chamado ao caos gratuito. É uma análise dura da realidade. Quando um sistema se sustenta na opressão, na exploração e no genocídio dos que estão na base, ele não cede espaço voluntariamente. Não existe negociação possível com quem lucra com a sua morte.
Por isso, Lazarus: Fallen não é só mais uma história de vingança ou de redenção. É uma discussão brutal sobre sobrevivência, libertação e as dores de quem tenta quebrar as correntes de um sistema que te condicionou desde o nascimento a acreditar que você não tem escolha.
Forever somos nós
O arco final traz Forever Carlyle, enfim, livre do controle da família. Não é mais uma Lázara. Não é mais uma ferramenta. E a missão é clara: derrubar o sistema. Destruir o que precisa ser destruído. E, se possível, tentar construir algo novo sobre os escombros.
Mas essa não é uma história sobre otimismo
fácil. A pergunta que move a trama — e que ecoa pra nós do lado de cá da página
— é simples, mas devastadora:
👉
“Uma pessoa boa consegue mudar um sistema
inteiro? Ou está condenada a falhar?”
No fundo, Lazarus nunca foi só sobre uma assassina biotecnológica num futuro distópico. Sempre foi sobre nós. Sobre o agora. Sobre como seguimos vivendo num mundo onde riqueza é mais importante que vidas. Onde a desigualdade é naturalizada. Onde a esperança parece cada vez mais um ato de insubordinação.
O fim… ou o começo?
Lazarus: Fallen estreia dia 25 de junho de 2025. Mas, como toda boa ficção, ele não termina na última página. Porque o verdadeiro final dessa história... depende de nós.
O futuro não é ficção. É só amanhã.